quinta-feira, 27 de setembro de 2007

A Mesa Voadora - Luis Fernando Verissimo


Sempre achei que as pessoas que comem como um passarinho deviam ser caçadas a bodoque.

...Falta aquele indefinível... o quê? Não sei, é indefinível.

— Que a pomba da paz lance suas dádivas sobre sua cabeça e sua roupa nova...

Isso não existe. Ou existe e eu é que tenho andado na turma errada.

Sejamos específicos, já que não podemos ser franceses.

O mâitre nos espreita de longe, certamente esperando que eu beba também a água morna com limão posta do meu lado para limpar os dedos.

Como já disse alguém sobre a Sophia Loren, é difícil dar uma ideia da opulência do prato sem usar as mãos.

O menino não sabia o que teria sido dele se não fosse a sabedoria transmitida pelos pais. Que obviamente sabiam do que estavam falando e o que era preciso para sobreviver. Estavam vivos, não estavam?

— Você já comeu alguma vez?
— Nunca. Mas adoro.

Escolhemos o menu mais barato, que até a extravagância tem limite.

Não só cortava pescoços de galinha, como fazia isto com uma certa alegria assassina.

Este hábito deixou de ser hábito, desconfio, não apenas porque hoje ninguém mais tem tempo ou disposição para frescura mas também porque não devia funcionar.

— Bom mesmo é cheiro de Vick-Vaporub!
— Bom mesmo é acordar com febre e não precisar ir à aula.

Não sei se sou só eu, mas sempre tenho a impressão de que o mâitre desaprova o meu pedido, o vinho que escolhi, o jeito que pego na faca e o tom dos meus sapatos. E também não está muito entusiasmado com a minha existência.
— Mesa para quantos?
— Do-dois... Se o senhor não se importar. Mas se preferir, eu vou embora. E desculpe qualquer coisa!

E a chuva em Paris? Não parou. Choveu todos os dias, até que resolvemos tomar uma providência. Compramos guarda-chuvas. Aí ela parou.

— Me dá uma bala.
— Não tenho.
— Um chicle.
— Não tenho.
— Me dá esse lápis para mastigar.
— Não dou.
— Deixa eu roer as tuas unhas que as minhas já acabaram.
— Não deixo.

Mas o que realmente faria o extraterrestre correr para o banheiro da nave seria descobrir que os terrestres espremem um líquido branco e gorduroso das glândulas mamárias de um animal chamado "vaca" — e o bebem!

Claro que hoje a cozinha tem recursos com os quais as feiticeiras nem sonhavam: batedeiras que só faltam brigar com as crianças, fornos verticais que caminham até você e batem no seu ombro quando o assado está pronto...

Temos remorso. A palavra "remorso" quer dizer, mais ou menos, comer de volta.
Outras espécies são autofágicas, mas só o homem desconfia que seu semelhante engolido pode começar a mordê-lo por dentro, por vingança.
Ou isto, ou a dieta está me fazendo delirar.